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Por Carl Jung - Sobre Ramana Maharshi

"A vida e os ensinamentos de Sri Ramana são importantes não apenas para os hindus, mas também para o ocidental, fornecendo relatos de grande interesse humano, além de um alerta à humanidade que ameaça perder-se em meio ao caos de sua inconsciência e falta de autocontrole." - Carl G. Jung


Sri Ramana e Sua Mensagem para o Homem Moderno


POR CARL GUSTAV JUNG*


Sri Ramana é um verdadeiro filho do solo indiano. Ele é autêntico e, além disso, um verdadeiro fenómeno. Na Índia, é considerado o ponto mais imaculado na brancura dos céus.


Encontramos na vida e nos ensinamentos de Sri Ramana o que de mais puro existe na Índia; com seu alento de libertação da humanidade, é um cântico milenar cuja melodia possui um único e grandioso motivo, o qual, em seus milhares de reflexos multicoloridos, renova-se dentro do espírito hindu, do qual Sri Ramana Maharshi é a última encarnação.


A identificação do Self (1) com Deus irá chocar o homem ocidental. Eis uma perceção estritamente oriental, segundo os escritos de Sri Ramana. A psicologia não tem nenhuma outra contribuição a acrescentar, exceto constatar que se encontra bem além de seu alcance propor coisa semelhante. Contudo, para o hindu, está claro que o Self como Fonte Espiritual não difere de Deus; habitando o próprio Self, o homem não está apenas contido em Deus, mas é o próprio Deus. Sri Ramana é bastante claro a este respeito.


O propósito das práticas orientais é o mesmo do misticismo ocidental: mudar o foco do "Eu" (2) em Self, o homem em Deus. O que implica o desaparecimento do "Eu" no Self, e do homem em Deus. Esforço semelhante é descrito em "execitia spiritualia", no qual a "propriedade pessoal", o "Eu", submete-se, no mais alto grau, ao Cristo. Sri Ramakrishna adotou a mesma posição no que se refere ao Self, só que com ele torna-se um pouco mais vidente o dilema entre o "Eu" e o Self. Sri Ramana deixa claro que o verdadeiro objetivo da vida espiritual é a dissolução do "Eu". Ramakrishna, entretanto, demonstra certa hesitação a esse respeito. Embora afirme que "enquanto durar o sentido do Eu, serão impossíveis o Conhecimento verdadeiro (Jnana) e a Libertação (mukti)", resta-lhe reconhecer a natureza fatal de ahamkara. Afirma ele, "Como posso alguns poucos podem obter essa união (samadhi) e libertar-se desse 'Eu'? Só muito raramente isso é possível. Falem o quanto quiserem, isolem-se continuamente; ainda assim esse 'Eu' insistirá em voltar. Derrube o choupo hoje e amanhã verá novos brotos formando-se. Quando por fim descobrir que esse 'Eu' não pode ser destruído, deixe que permaneça como o 'Eu' servo". Diante dessa concessão, Sri Ramana é, sem dúvida, mais radical.


As relações entre essas duas quantidades, o "Eu" e o Self, em constante modificação, constituem um campo de experiência que tem sido explorado pela consciência oriental de índole introspetiva, com intensidade praticamente inantigível para o homem ocidental. A filosofia oriental, tão diferente da nossa, representa para nós uma dádiva extremamente valiosa, a qual, contudo, "devemos conquistar a fim de possuí-la". - Mais uma vez, as palavras de Sri Ramana resumem os ensinamentos fundamentais, acumulados pelo espírito da Índia ao longo de milhares de anos de contemplação do Ser Interior; a vida e a obra do Maharshi exemplificam mais uma vez o esforço interior do povo hindu na busca da Fonte original libertadora.


As nações orientais veem-se ameaçadas por uma rápida desintegração de seus valores espirituais, e o que surge em lugar destes não pode ser considerado como o néctar do pensamento ocidental. Portanto, sábios como Sri Ramana e Sri Ramakrishna podem ser considerados profetas modernos. Não apenas nos fazem lembrar a milenar cultura espiritual da Índia, como também são a personificação dessa cultura. A vida e os ensinamentos desses dois sábios são um impressionante alerta, a fim de que não sejam esquecidas as exigências da alma.« em meio à civilização ocidental, com seus interesses materialistas, tecnológicos e comerciais. O ímpeto sôfrego rumo à obtenção e à posse nos campos políticos, social e intelectual, explorando a paixão insaciável e manifesta da alma ocidental, também vem se alastrando pelo Oriente e ameaça trazer consequências que precisam ser examinadas. Muito já se perdeu não apenas na Índia, mas também na China, onde outrora o espírito vivia e florescia. A exteriorização da cultura ocidental de facto pode exterminar diversos males, cuja destruição mostra-se desejável e vantajosa. Contudo - a experiência tem mostrado -, tal progresso custa caro demais: a perda da da cultura espiritual. Sem dúvida, é mais confortável habitar uma casa bem arrumada e limpa, mas isso não responde à pergunta sobre quem é o morador dessa casa, sobre se a alma desse morador partilha de semelhante ordem e pureza, isto é, da casa de que participa a vida exterior.


A experiência evidencia que, uma vez iniciada a busca de bens externos, o homem jamais se satisfaz com o suprimento das necessidades simples da vida, passando a desejar buscar sempre mais no mundo externo, movido por seus preconceitos. Esquece-se por completo de que, a despeito de todas as vitórias externas, interiormente ele continua o mesmo e, assim, se queixa de sua pobreza quando possui apenas um automóvel e não dois, como algumas pessoas que estão à sua volta. Naturalmente, a vida exterior do homem pode trazer inúmeros progressos e certo embelezamento, que perdem seu significado na medida em que o homem interior não os acompanha. A provisão de todas as "necessidades" é, sem dúvida, uma fonte de felicidade que não deve ser subestimada. Todavia, além e acima desta, o homem interior tem necessidades que não podem ser satisfeitas por bens externos; e quanto menos a voz interior é ouvida, na busca das "maravilhas" deste mundo, mais o homem interior torna-se fonte de inexplicável má sorte e incompreensível infelicidade, em meio a condições de vida das quais poder-se-ia esperar coisa diferente. A externalização leva ao sofrimento incurável, porque ninguém compreende como é possível sofrer em virtude da própria natureza. Ninguém se espanta da própria insaciabilidade, mas a considera um direito inato; o homem não percebe que a dieta parcial de sua alma acaba por produzir desequilíbrios dos mais sérios. Aí reside a enfermidade do homem ocidental, que não descansará enquanto não contaminar o mundo inteiro com sua impaciência voraz.


A sabedoria e o misticismo orientais, portanto, têm muito a dizer-nos em sua linguagem inimitável. Eles devem lembrar-nos o que possuímos de semelhante em nossa cultura, o que já esquecemos, bem como dirigir a nossa atenção para o que deixamos de lado, como algo insignificante: o destino de nosso homem interior. A vida e os ensinamentos de Sri Ramana são importantes não apenas para os hindus, mas também para o ocidental, fornecendo relatos de grande interesse humano, além de um alerta à humanidade que ameaça perder-se em meio ao caos de sua inconsciência e falta de autocontrole.

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